“Bropriating” á portuguesa!
A Uber, a proibição da Pinker e a hipocrisia legal do “acesso igual para todos”
Há poucos meses, a empresa portuguesa Pinker, criada por uma mulher (Mónica Faneco) e com o propósito simples de oferecer um serviço de transporte seguro exclusivo para mulheres, viu a sua licença suspensa pelo Instituto da Mobilidade e dos Transportes (IMT). A razão? Segundo a entidade, a Pinker violava o artigo 7.º da Lei n.º 45/2018, que regula os TVDE (transporte individual e remunerado de passageiros em veículos descaracterizados a partir de plataforma eletrónica), ao restringir o acesso com base no género.
“É proibida qualquer discriminação no acesso ou utilização do serviço, nomeadamente em razão de sexo, idade, raça, ou orientação sexual.”
A decisão levou à suspensão do projeto e, mais tarde, à sua retirada do mercado. Um serviço criado por uma mulher, para proteger mulheres, foi legalmente travado em nome de uma neutralidade que, na prática, não protege ninguém — excepto o sistema.
Mas agora, em 2025, a Uber — multinacional americana, gerida por homens e com acesso privilegiado às instituições (dirigida em Portugal por Francisco Vilaça) — anuncia que vai lançar em Portugal um serviço semelhante, permitindo que passageiras escolham ser conduzidas por motoristas mulheres.
A questão é:
Porque é que à Pinker não foi permitido existir, mas à Uber é?
Quando igualdade formal encobre desigualdade real
A lei portuguesa que travou a Pinker é tecnicamente “justa”: proíbe discriminações com base no género. Mas é também estruturalmente cega às desigualdades históricas e violências reais que mulheres continuam a enfrentar, particularmente em contextos de mobilidade.
De acordo com dados do Observatório Europeu da Violência contra as Mulheres, mais de 1 em cada 3 mulheres evita transportes à noite por medo. Casos de assédio sexual em TVDEs não são incomuns — mas continuam invisibilizados ou normalizados. É neste contexto que uma iniciativa como a Pinker surge: não como um capricho exclusivo, mas como uma resposta concreta a uma realidade insegura. A única, na verdade.
A diferença entre a Pinker e a Uber? Legitimidade institucional
A Pinker foi direta e transparente: um serviço apenas para mulheres, conduzido por mulheres. Isso foi considerado inaceitável.
A Uber, por sua vez, joga com a nuance:
Não proíbe homens, apenas permite preferências;
Não exclui oficialmente, apenas prioriza escolhas de género;
Mantém a aparência de “inclusiva”, enquanto oferece um serviço funcionalmente semelhante ao da Pinker.
Esta manobra jurídica permite-lhe evitar o confronto com leis antidiscriminação — e, ao mesmo tempo, ser elogiada como uma empresa que se preocupa com a segurança das mulheres. Hipocrisia ou estratégia? Provavelmente ambas.
Mais uma vez, a legalidade não depende só da letra da lei, mas de quem a interpreta — e de quem tem poder para a negociar.
O que é que realmente incomodou?
Não é o conteúdo do serviço, o que parece ter incomodado foi a autoridade feminina sobre o projeto:
Uma mulher criou, liderou, decidiu quem participa.
Uma mulher disse: “Este espaço é nosso, por nós, para nós”.
Uma mulher apontou uma desigualdade (essa sim discriminatória) e disse “já que o estado português nada faz para a diminuir, eu vou criar um projeto que vai devolver ás mulheres a sua autonomia”
Una mulher espelhou a violência de género que existe em portugal
Seria uma mulher que iria lucrar com isso
E isso, num país onde ainda se estranha que mulheres ocupem posições de liderança sem pedir licença, foi lido como uma ruptura, como inaceitável.
Quando um homem (ou uma empresa dominada por homens) oferece uma versão suavizada da mesma ideia, ela é aceite — porque não desafia o status quo, apenas o decora com palavras rosa de inclusão.
Será exclusividade ou reparação?
É fundamental distinguir exclusividade discriminatória de exclusividade reparadora.
A primeira exclui para manter privilégios.
A segunda cria espaços seguros para quem historicamente foi excluído do direito à segurança, ao conforto, à autonomia.
A Pinker não pretendia discriminar — pretendia proteger.
Queria dar às mulheres algo que sempre lhes foi negado: liberdade de circulação com tranquilidade.
Os serviços TVDE têm sido discriminatórios para as mulheres (como aliás qualquer outro serviço) por não apresentar uma solução segura para mais de metade da população. Até agora ninguém pareceu importar-se com isso.
Uma questão política, não só legal
Este caso mostra como a lei pode ser usada contra quem tenta reparar desigualdades.
E levanta uma pergunta crucial: quem decide o que é legal? Quem define o que é neutralidade?
E, sobretudo, quem é que tem permissão para criar espaços seguros — e quem é que é punido por tentar fazê-lo?
A Pinker não falhou. Foi o Estado português que falhou ao não reconhecer a legitimidade de uma proposta de justiça de género.
Foi o sistema que, mais uma vez, preferiu proteger a aparência de igualdade a enfrentar as suas próprias desigualdades estruturais.
Como mulher, como cidadã, e como ativista, recuso a ideia de que tudo deve estar aberto a todos se isso significar que mulheres continuam a ser violadas, silenciadas e impedidas de se proteger.
Recuso a ideia de que a igualdade formal vale mais do que a justiça real.
E recuso aceitar sem questionar, viver num país onde empresas geridas por homens multinacionais são autorizadas a fazer aquilo que as mulheres são proibidas de construir por si mesmas.
A Pinker pode ter saído do mercado, mas a conversa não. É disto que falamos quando questionamos oportunidades iguais, GAP salarial e autonomia financeira.
Usarei o serviço da Uber. Não está aqui em questão a importância de ter um serviço destes em Portugal e percebo o aproveitamento da empresa, em relação ao sistema sexista existente, para o criar. O que está aqui em questão é termos ou não a capacidade de identificar o que se passa e trazer o assunto a debate.
Este texto foi revisto e editado com o apoio da ferramenta ChatGPT (OpenAI)